AFASTO-ME



A velocidade com que me afasto do presente
Não tem constante matemática que me possa valer,
Não se trata do último lampejo antes do desaparecimento
... Nem sequer da desistência na comunicação
Entre os «Eu» mascarados e sem deslocação.
Durante demasiado tempo o que se sente
Perspectiva-se para evitar o afundamento
Por entre os semelhantes do saber
E agora que a velocidade expansiva
Está descontrolada sinto a fisiologia cativa.

De facto estou como Lambda (energia
Do espaço vazio) e julgo que se me veda a alegria
Da excitante existência por meu peso
Específico se ter seduzido com um contracto ileso
Pagando caro o atrevimento de contextualizar.
Impenetrável por não saber actualizar
A cortina da ignorância dou comigo
A venerar a sabedoria em cujo postigo
Espreito tornando insustentável
A relação que quero neste mundo inadiável.

Não recuso nada nem quero desaparecer.
Lutei bastante entre o que os sentidos
Captaram e a elaboração para outros níveis
Com tentativas e erros demasiado
Saborosos e desastrosos para agora
Sucumbir no dealbar do eterno cansaço
(Previsão lógica do relógio electromagnético
Que é o envelhecimento). Os usados
Percursos inesgotáveis de outrora
Já não são os mesmos pintando-se de novo.

Porque me afasto então? Necessidade
Ou ao acaso? Velha dicotomia que tem conduzido
A matéria e seus apêndices com fiabilidade
Controversa sem ser a pedido.
Com franqueza enjoa-me a actualidade
Onde me não revejo e estou reduzido.
Espantoso é, ainda respirar a raridade
Sem ter força para um não concluído
E desesperar sem a desejada cumplicidade
Por nunca me sentir atraído.

Antes tivesse sentido e praticado a loucura
Ou rastejasse no lodo da miséria humana,
Mas não, a monótona mediania cercou-me
Com vozes mansas ou gestos delicados
Disfarçando-me com inócua simplicidade.
Geneticamente afastado da divindade
Cedo me incompatibilizei com adorados
Dogmas e entre paradoxos o fastio anexou-me
Avisando-me, por vezes com gana,
Que só com muita dor se elabora a estrutura.

Para a estampa ou não um ror
De versos (rimados, anárquicos e sentidos)
Ficarão registados -serão a minha flor
Neste universo quântico e descomunal-
Não sem antes homenagear com pudor
Os que me influenciaram a escrita (Caeiro,
Maiakowski, Sena, Gedeão e Torga) nem supor
Que serão o reflexo de uma sensibilidade
Conquistada e desaparecida no alvor
Da existência que seguramente continuará.

Afasto-me serenamente ciente
Do muito, adquirido e por adquirir!


Francisco da Renda

Comentários

Mensagens populares